Um roteiro para o desenvolvimento

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Autor(es): Fabio Giambiagi
Valor Econômico – 14/12/2012
 

Já se disse mais de uma vez que as ações tomadas pelas autoridades de um país costumam ter atrás de si as ideias de algum antigo economista. Faz parte da tarefa pedagógica da categoria fazer com que os futuros profissionais de economia – alguns dos quais poderão um dia ter destaque no processo de tomada de decisões – bebam nas boas fontes teóricas, com vistas a ter uma formação sólida. Ao mesmo tempo, quem quer que tenha dado aulas sobre economia no Brasil sabe da importância do ensino ser “tropicalizado”, fornecendo ao aluno um instrumental didático que possa lhe interessar, pelas referências a uma realidade histórica com a qual esteja mais familiarizado e pela utilização de estatísticas que esteja acostumado a utilizar.

Com esse duplo propósito – ensinar os fundamentos teóricos e usar um enfoque ligado às questões domésticas – em conjunto com Fernando Veloso, Pedro Cavalcanti e Samuel Pessoa, organizamos o livro “Desenvolvimento econômico: uma perspectiva brasileira”, que acaba de ser lançado pela Editora Campus. O livro pode também ser lido por todos aqueles interessados em entender quais são as raízes do processo de desenvolvimento, como a história econômica brasileira dos séculos XX e primeiros anos do século XXI pode ser entendida à luz dessa interpretação e quais os desafios colocados para o país, tendo esse pano de fundo em perspectiva.

O livro é uma coletânea de diversos autores, incluindo os quatro organizadores e também os nomes de Alexandre R. Barros, André Villela, Arilton Teixeira, Carlos Eduardo Soares Gonçalves, Cláudio Frischtak, Edmar Bacha, Fernando Holanda Barbosa Filho, Maurício Canêdo Pinheiro, Naercio Menezes Filho, Paulo Levy, Regis Bonelli, Renato Fragelli, Roberto Ellery, Sérgio Kannebley Junior e Sílvia Matos. Ele envolve especialistas de diversas áreas e combina o enfoque teórico com a análise prática de questões ligadas à temática do desenvolvimento: a análise de experiências comparadas de desenvolvimento no pós-guerra; a perspectiva histórica mundial e brasileira; a crítica ao modelo de desenvolvimento excludente 1930/1980; as explicações para o crescimento pré-1980, para os problemas das décadas de 1980 e 1990 e para a retomada da última década; a questão da poupança doméstica; a influência da educação; a relação entre grau de abertura comercial e desenvolvimento; a importância da infraestrutura; e o papel das instituições e das reformas. Permeando o livro, está a grande questão, a “pergunta do milhão” e que de alguma forma o livro procura responder: por que alguns países são mais desenvolvidos do que outros?

Demografia, educação, poupança doméstica, infraestrutura, produtividade: eis as chaves do êxito

É possível fazer duas afirmações gerais, úteis quando se avalia o potencial de crescimento do país: a) quando há recursos ociosos (capacidade física instalada não utilizada e/ou um contingente de trabalhadores desocupados) é possível crescer ampliando a utilização de capacidade e empregando mais gente, mas isso corresponde à “etapa fácil” do crescimento. A tarefa mais difícil é expandir o produto potencial da economia, de modo a ampliar as possibilidades de crescimento; e b) para alcançar esse objetivo, é preciso ter êxito na combinação de três variáveis: 1) o estoque de capital físico, na forma de construção e de máquinas e equipamentos; 2) o capital humano (educação); e 3) a chamada “produtividade total dos fatores” (PTF), uma medida de eficiência agregada da economia.

Quando se olha o caso do Brasil, o que se pode notar é a presença de quatro explicações para a dinâmica do crescimento. Primeiro, historicamente o país cresceu muito em parte com a ajuda de um forte crescimento do contingente populacional: em particular, a população de 15 a 59 anos cresceu nada menos que 2,8% entre 1940 e 1980.

Segundo, o país adotou um modelo de desenvolvimento historicamente excludente, negligenciando a educação, em contraste com o padrão seguido por outros países, com destaque para a Coreia do Sul e, ainda no século XIX, os EUA. O fato de o número de anos médio de escolaridade da População Economicamente Ativa (PEA) ser de apenas oito anos no Brasil, contra 12 dos países do mundo de língua inglesa e 11 dos “tigres” asiáticos, é a expressão desse descaso, que só começou a ser corrigido na década de 1990.

Terceiro, a poupança doméstica do país, base para o processo de expansão do capital, foi tradicionalmente baixa – inferior a 20% do PIB em mais de 50 dos pouco mais de 60 anos da história estatística documentada do país pós-1946 – o que deixa recorrentemente o Brasil, para poder melhorar sua infraestrutura e ampliar a taxa de investimento, na dependência da poupança externa, com os riscos associados à volatilidade desta.

Finalmente, a produtividade do país teve grande expansão até a década de 70, entrando em colapso nos anos 80 e só voltando a se recuperar, timidamente, nos últimos anos.

Demografia, educação, poupança doméstica, infraestrutura, produtividade: eis as chaves do êxito. Há mais no livro. Boa leitura, para quem se interessar.

Fabio Giambiagi, economista, coorganizador do livro “Economia Brasileira Contemporânea: 1945/2010” (Editora Campus), escreve mensalmente às quartas-feiras. E-mail: fgiambia@terra.com.br.